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XP REBEL: O que vi e ouvi do outro lado do espelho

Alice como metáfora da ludicidade

por José Geraldo de Oliveira, comunicador e professor na UNIP

Descobri os textos do professor de matemática e lógica Charles Lutwidge Dodgson (Lewis Carroll) tarde, em 2013, durante o meu mestrado. Conhecia a história, como várias gerações, as adaptações e em especial pelo desenho da Disney (1951), conservador e adulterado em relação à obra original. Não havia ainda saboreado o texto escrito.

A editora Zahar (2013) lançou uma edição maravilhosa das duas obras de Carroll: Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá com as ilustrações originais de John Tenniel – considerado o melhor ilustrador daquela época – e uma introdução de Martin Gardner que contextualiza a obra no contexto da Inglaterra Vitoriana.

Veio a “obrigatoriedade” de buscar o original da obra, ou seja, o trabalho primeiro que Carroll escreveu e em que desenhou as aventuras de uma menina chamada Alice, que ao perseguir o Coelho Branco, foi parar num mundo fantástico em que “nada fazia sentido”. Isso aconteceu em um passeio de barco das irmãs Lorina, Alice e Edith Liddell – que foi a musa inspiradora de Alice – em 4 de julho de 1862 no rio Tâmisa, em Oxford, Inglaterra.

O livro sempre foi associado à literatura infantil, visto que os livros tinham o objetivo de ensinar as crianças. Alice muda este contexto ao mostrar um mundo maluco que instiga a imaginação e curiosidade a cada página, um livro lúdico, sem lições de moral e com afloração do gênero nonsense.

Foi paixão à primeira leitura. Tanto que passei a indicar o livro para os meus alunos do curso de jogos digitais para que eles pudessem “viajar” também pelos paradoxos e labirintos da obra de Carroll.
Estou fazendo “tertúlias” diariamente com meu parceiro: leitura de um determinado livro seguido de comentários. Bem, a proposta deste texto é tratar de “um livro lúdico”. Afirmo que qualquer livro é lúdico em essência, seja a Bíblia ou a Torá, assim como qualquer clássico e é nesta categoria que incluo Alice.

Foto das irmãs Edith, Lorina e Alice Liddell – Lewis Carroll

Um dos livros dessas “tertúlias” foi Uma história natural da curiosidade, de Alberto Manguel (Companhia das Letras, 2016). Diz ele:

“Uma das primeiras expressões que aprendemos quando criança é por que. Em parte porque queremos saber alguma coisa sobre o mundo misterioso no qual entramos sem que o quiséssemos, em parte porque queremos compreender como funcionam as coisas deste mundo, e em parte porque sentimos uma necessidade ancestral de nos engajarmos com os outros habitantes deste mundo, e após nossos primeiro balbucios e arrulhos, começamos a perguntar: ‘Por quê?’”.

Alice será o próximo livro. Se a proposta é falar de “ludicidade”, também falemos do espaço da leitura: o ouvir uma história é um espaço sagrado de jogo. Aqui me refiro a Johan Huizinga e a Walter Benjamin em O narrador – um livro como este é o que provoca todos os jogos dos “porquês”.

Carroll começa a história com Alice se perguntando o sentido de um livro “sem figuras nem diálogos”. Ele realiza um livro com imagens e diálogos, diálogos em um sentido amplo, em que nós conversamos com o texto e as ilustrações dialogam conosco.

Para descrever, um rato explora a página, um jogo gráfico para criar um poema visual – ou transformar palavras em imagens que dialogam com o texto, brincando na superfície da página ou explorando o espaço, o que os comics viriam a explorar no século XX.

Hoje Alice luta no mundo virtual e em aventuras tecnológicas, convivendo com um imaginário caleidoscópio e paranoico em um mundo subterrâneo em que devemos descer a um lugar regido por “não leis”, como seu “desaniversário”. Ao mergulhar em um buraco ou atravessar um espelho, Alice nos convida a fazer o mesmo. E abre o imaginário para adaptações como a Trilogia Alice in Deadland – Mainak Dhar, Trilogia Splintered – A.G. Howard, As Crônicas do Subterrâneo – Suzanne Collins, a releitura surrealista de Jan Svankmajer em Alice (1988). E Alice no País das Maravilhas (2010) e Alice Através do Espelho (2016), que para mim são as piores adaptações cinematográficas, mas que entram no conceito de transmídia.

Para quem é fã de John Lennon e dos Beatles, vale ouvir I am the Walrus e Lucy in the sky with diamonds e verificar a capa do disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Se isto tudo não é lúdico, não sei o que é. Sempre há esta possibilidade de reinventar o jogo, adaptando-o. Esta é a capacidade de um clássico.


Experiência REBEL são lembranças, impressões e anedotas de associados e amigos da Rede Brasileira de Estudos Lúdicos. 

Quem você gostaria de ouvir nesta seção? Comente aí com #xpREBEL!

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